Num negócio desfeito, a mão pesada da ANP

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O influente colunista Geraldo Samor, de VEJA Mercados, produziu análise procedente e detalhada sobre a desistência da Shell em vender os campos de Bijupirá e Salema, na Bacia de Campos (RJ), para a PetroRio.

Este blog reproduz a íntegra do post do competente analista:

O negócio foi desfeito depois que a ANP (Agência Nacional do Petróleo) exigiu um desembolso de 464 milhões de dólares para o abandono dos dois campos. O ‘abandono de campo’ é um processo complexo e frequentemente caro, que consiste na vedação completa de um campo ao final de sua vida produtiva de forma aNelson Tanure prevenir danos ambientais. No mercado de petróleo, são conhecidos os casos de empresas que protelam o fim das operações de um campo para adiar ao máximo possível os custos do abandono.

Em janeiro de 2015, as duas empresas haviam chegado a um acordo pelo qual a PetroRio, controlada pelo empresário Nelson Tanure,pagaria 150 milhões de dólares pela participação da Shell nos campos.

A Shell, que tem vasta experiência internacional no assunto e se apoia no trabalho de consultorias independentes, estimava que os custos associados ao abandono de Bijupirá e Salema ficariam em, no máximo, 200 milhões de dólares, disse uma fonte envolvida nas negociações. Como este custo é de responsabilidade do comprador — a PetroRio — a Shell descontou este valor do preço de venda, com a anuência da Petrobras, que é dona de 20% dos campos.

Na prática, ao exigir um desembolso mais de duas vezes maior, a ANP transforma os campos em um valor negativo e impede que eles tenham novos investimentos por parte da PetroRio. No estágio atual, Bijupirá e Salema não são mais interessantes para gigantes como a Shell e a Petrobras, que têm jazidas mais interessantes para explorar. Estes campos maduros e em declínio são, no entanto, o core business de empresas como a PetroRio ou a americana Apache, que se especializam neste nicho de mercado.

Além de inviabilizar o negócio em Bijupirá-Salema, o custo de abandono estipulado pela ANP pode prejudicar a venda de três campos maduros da Petrobras — Baúna (SP), Golfinho (ES) e Tartaruga (RJ) — num momento em que a estatal tem urgência em levantar dinheiro.

Com o fim do negócio, a PetroRio receberá de volta os 30 milhões de dólares que havia antecipado à Shell, equivalentes a 20% do preço total.

Shell_logoO negócio desfeito sugere uma insensibilidade da ANP à situação da indústria petrolífera no momento em que o barril mal se equilibra nos 30 dólares.

Dependendo da sua atitude, uma agência reguladora pode estimular ou matar um movimento incipiente de consolidação de mercado. O histórico recente da ANP (e de outras agências brasileiras) tem sido regular com mão pesada e pouco diálogo.

No início do ano, já com a indústria global de petróleo em crise aguda, a ANP abriu consulta pública para aumentar o preço do barril que é usado como referência para o cálculo de royalties. A medida tiraria mais dinheiro do caixa da Petrobras — já em situação pré-falimentar — e aumentaria a arrecadação de Estados e municípios.

Dias depois, o Conselho Nacional de Política Energética dinamitou a proposta, impedindo a revisão do cálculo dos royalties até que o preço do petróleo volte aos US$ 50 por barril.

Outro que se mostra insensível aos preços é o Governo do Estado do Rio de Janeiro, que recentemente criou uma taxa ambiental e resolveu cobrar ICMS sobre o petróleo. As empresas estão indo à Justiça contra o Estado.

Isso sem falar na recente ameaça do Ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, de retomar os campos nos quais as empresas não começarem a investir em 180 dias.

Neste momento delicado da economia no Brasil e no mundo, o Estado — em todos os seus níveis — continua surdo, cego e mudo quanto ao que acontece no mercado, e responde aos eventos frequentemente na contramão.

 

Por Paulo Roberto Cunha

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